O Supremo decide fortalecer a Lei Maria da Penha e ordenar que a queixa da mulher agredida deve prosseguir até o fim, com a punição do agressor, mesmo que ela não queira ou venha a desistir da ação.
Não há nenhuma dúvida de que a decisão do Supremo Tribunal Federal é perfeita, porque protege a mulher integralmente e não deixa o agressor, seja marido, namorado ou companheiro, impune. Merece, portanto, todos os louvores a decisão em epígrafe, porque fortalece a Lei Maria da Penha e ampara a mulher, em sua integridade física, com toda a inteireza que merece.
Acontece que as coisas nem sempre ocorrem com a precisão que as leis pretendem, principalmente quando se discute o amor e as relações familiares.
Volto a lembrar aqui uma crônica de Rachel de Queiroz, intitulada A rapadura, sobre a qual fiz alusão em outra crônica minha, tratando deste mesmo assunto.
Relata a cronista cearense a situação de uma mulher que vive conformada em apanhar do seu homem e ainda o defende dos que se empenham em protegê-la, com esta lógica da submissão: “se ele bate, bate no que é dele”.
Já enfrentei um caso curioso com repercussão debaixo da minha barba.
Designei, como juiz, uma audiência para ouvir uma mulher que havia ferido o marido com uma faca, num gesto alucinado de ciúme. Depois de perdoá-la, passaram a conviver novamente, não interessando mais o prosseguimento da ação. Ambos já se haviam perdoado e não entendiam o que a Justiça ainda queria com eles.
É frequente ocorrer o caso de mulheres reclamarem o atraso de pensão alimentícia, mas avisam logo que não querem a prisão do devedor por causa dos filhos, que podem se voltar contra ela por mandar o pai deles para a cadeia.
São muitos os casos que ressaltam essa perplexidade. No Paraná, contou-me um colega magistrado, que uma mulher saiu zangada da audiência porque ele resolveu punir o marido que batia frequentemente nela. Disse a ofendida que aquela Justiça não entendia nada. Ela queria que o juiz apenas repreendesse o agressor ou fizesse diminuir as agressões. Estaria ela querendo lembrar da força do perdão, como aliada da tolerância?
A decisão da nossa mais alta Corte apenas esqueceu esses paradoxos que a realidade apresenta. Nem poderia contemplá-los, pois se trataria de um retrocesso ao propósito da lei.
Tenho a impressão de que minha avó não teria dificuldade em solucionar esses impasses. Com certeza, ela aplicaria a sabedoria de sua máxima: em briga de marido e mulher não se mete a colher. Que as feministas perdoem a minha avó pelo sua conformação em ser uma perfeita mulher de Atenas, aquelas que só viviam para os maridos.
Esse mundo das relações amorosas é muito difícil de harmonizar-se com leis inflexíveis. A decisão do Supremo merece aplausos, torno a registrar aqui, por não admitir a tolerância com a violência doméstica que submete a mulher à condição de vítima permanente dentro do seu próprio lar. Esses paradoxos são apenas paradoxos.